
O sistema Swift garantiu ao Brasil que não está sujeito a sanções arbitrárias de países específicos, em meio ao debate sobre a aplicação da Lei Magnitsky em autoridades brasileiras. Em 14 de agosto de 2025, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, recebeu o chefe global de Assuntos Corporativos do Swift, Hayden Allan, em Brasília. Na conversa, Allan esclareceu que a instituição, sediada na Bélgica, obedece à legislação da União Europeia e não a decisões unilaterais de países isolados.
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O que é a Lei Magnitsky
A Lei Magnitsky Global foi sancionada pelos Estados Unidos em 2016, ampliando ato criado em 2012 para punir agentes envolvidos em corrupção e graves violações de direitos humanos. Por meio de bloqueio de bens e proibição de transações financeiras nos EUA, a norma busca reforçar mecanismos extraterritoriais de responsabilização. Embora não produza efeitos jurídicos automáticos no Brasil, a Lei Magnitsky tem impacto indireto sobre instituições financeiras que dependem do sistema bancário americano.
O papel do Swift no sistema financeiro global
O Swift (Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication) é o principal sistema de mensagens interbancárias do mundo. Conectando cerca de 11.500 instituições financeiras em mais de 200 países, ele funciona como um “mensageiro” que transporta instruções de pagamento, câmbio e liquidações bancárias de forma segura e padronizada.
Operando como uma cooperativa, o Swift não efetua transferências ou mantém saldos. Sua relevância advém da padronização de protocolos e da credibilidade inerente ao modelo de governança europeu. A cada mensagem processada, bancos e corretoras trocam informações essenciais para que valores sejam efetivamente liquidados nos sistemas de compensação nacionais.
Jurisdição europeia e independência de decisões externas
É fundamental entender que o Swift está sujeito ao marco regulatório da União Europeia, onde tem sedes e supervisionamento direto. Diferentemente de sanções federais americanas, a instituição não é obrigada a excluir ou penalizar contas por decisões de um único governo estrangeiro.
Casos emblemáticos comprovam essa distinção: em 2022, a exclusão de bancos russos do Swift foi determinada pela UE em resposta à invasão da Ucrânia e não por um ato do governo dos Estados Unidos. Essa medida, embasada em legislação comunitária, reforçou a posição de independência da cooperativa frente a interesses isolados de nações terceiras.
O encontro entre Brasil e Swift
No encontro realizado em Brasília, Hayden Allan enfatizou que o Swift não serve como meio para sanções unilaterais. A interlocução veio após preocupações do governo brasileiro de possível exclusão do país do sistema, em retaliação por ações comerciais e sancionatórias adotadas pelos EUA, como tarifas impostas na gestão anterior e a aplicação da Lei Magnitsky contra autoridades brasileiras.
Durigan destacou que a reafirmação do Swift reforça a posição do Brasil como um dos maiores usuários da plataforma global, comprometido com o multilateralismo e com a integração financeira internacional. O governo também recebeu sinalizações de que o conselho de administração do Swift pretende ampliar a representatividade de países emergentes, incluindo o Brasil em futuras vagas de governança.
Aplicação da Lei Magnitsky a autoridades brasileiras
Em 30 de julho de 2025, o governo americano incluiu o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, na lista de pessoas sujeitas à Lei Magnitsky. Entre as medidas previstas estão o bloqueio de bens nos EUA, restrições a vistos e impedimento de operações financeiras que envolvam entidades norte-americanas.
Apesar de não gerar efeito automático no Brasil, essa sanção fez crescer o receio de bancos brasileiros em descumprirem normas norte-americanas caso mantivessem relacionamento com figuras sancionadas. A insegurança jurídica motivou debates no STF e no Congresso sobre a necessidade de blindagem contra sanções estrangeiras.
Ação no STF para proteção de instituições financeiras
No âmbito jurídico nacional, o deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ) protocolou ação no STF para proibir bancos brasileiros de cumprirem a Lei Magnitsky sem autorização judicial. O relator, ministro Cristiano Zanin, tem sinalizado cautela e pretende ouvir todas as partes antes de decidir sobre pedidos de medida cautelar. Caso conceda a tutela, bancos ficariam impedidos de adotar sanções financeiras baseadas em norma americana e estariam protegidos de conflito de obrigações entre decisões do STF e do Tesouro dos EUA.
Projeto de lei para blindagem da soberania financeira
Complementarmente, a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) apresentou o Projeto de Lei 3831/2025, conhecido como “PL da Soberania Financeira”. A proposta veda expressamente que instituições financeiras e demais entidades sob supervisão do Banco Central e da CVM apliquem sanções administrativas ou financeiras derivadas de atos estrangeiros sem respaldo em legislação ou determinação de autoridade brasileira competente.
O texto prevê penalidades severas para quem descumprir a norma, incluindo multa diária de 0,1% do faturamento mensal e restrições para abertura de novas agências ou linhas de negócio. Além disso, clientes afetados teriam direito à reparação integral de danos materiais e morais, com inversão do ônus da prova a seu favor.
Dilemas e riscos para bancos brasileiros
As grandes instituições financeiras do país enfrentam um dilema complexo:
- Atender ordens do STF e de lei federal, sob risco de sofrer punições internas;
- Ou cumprir determinações norte-americanas, evitando multas e sanções contra seus ativos nos EUA.
Todos os principais bancos brasileiros possuem operações nos Estados Unidos ou transacionam em dólar, o que amplia o risco de penalidades internacionais. O medo de isolamento no mercado global levou instituições a contratar escritórios de advocacia americanos para orientações sobre compliance e mitigação de riscos.
Cenários possíveis
- STF proíbe cumprimento da Magnitsky no Brasil
- Bancos ficam legalmente blindados;
- Estados Unidos podem aplicar sanções indiretas via correpondentes bancários.
- Banks seguem determinação norte-americana
- Evitam punições nos EUA;
- Arriscam sanções por descumprimento de ordem judicial brasileira.
- Acordo de interpretação tripartite
- Mediação entre Estados Unidos, Brasil e Swift para estabelecer critérios claros;
- Criação de memorandos de entendimento para alinhamento de compliance internacional.
Tabela comparativa: jurisdição e sanções
Aspecto | Swift (UE) | Lei Magnitsky (EUA) |
---|---|---|
Sede e jurisdição | Bélgica, sob legislação da UE | Estados Unidos, sob legislação federal |
Âmbito de aplicação | Mensagens financeiras interbancárias | Bloqueio de bens, restrição de vistos e transações |
Tomada de decisão | Conselho de administração multilateral | Poder Executivo (Casa Branca) |
Exemplo de aplicação | Exclusão de bancos russos pela UE | Sanções a Alexandre de Moraes |
Participação brasileira | Maior usuário, busca assento no board | Autoridades brasileiras sancionadas |
Atores de governança | Cooperativa de bancos europeus e norte-americanos | Gabinete do presidente e OFAC |
Implicações para a soberania e o multilateralismo
O episódio evidencia a tensão entre a soberania nacional e mecanismos de execução extraterritoriais. A busca do Brasil por reafirmar sua autonomia no sistema financeiro global passa pela construção de regras claras e diálogo com plataformas multilaterais, como o Swift. Ao mesmo tempo, fortalece a discussão sobre a necessidade de marcos legais internos que protejam instituições privadas de sanções levantadas fora do território brasileiro.
A eventual ampliação de países emergentes no conselho do Swift poderá reforçar a visão de que decisões de exclusão ou penalização são tomadas de forma colegiada, reduzindo o temor de arbitrariedade. Para o Brasil, essa bandeira alia-se à política de diversificação de parcerias comerciais e financeiras, bem como ao fortalecimento de organismos regionais que atuem como contrapeso a decisões unilaterais.
Futuro do debate no Congresso e no STF
Nas próximas semanas, o STF deve ouvir manifestações da Procuradoria-Geral da República e de instituições financeiras. A Câmara, por sua vez, analisará o PL 3831/2025 em comissões temáticas. O ponto central será o equilíbrio entre o cumprimento de decisões judiciais internas e a manutenção da integridade das operações internacionais.
Caso seja aprovado o projeto, o Brasil dará um passo importante na consolidação de sua legislação sobre sanções externas. No entanto, a eficácia dependerá da articulação diplomática e do estabelecimento de mecanismos de cooperação com agências regulatórias estrangeiras, evitando rupturas abruptas que prejudiquem o sistema financeiro global.
Conclusão
A declaração do Swift, confirmando que não está sujeito a sanções arbitrárias de países isolados, reforça a importância do multilateraismo no sistema financeiro internacional. Para o Brasil, a combinação de ações no STF, proposições legislativas e diálogo com instituições globais representa uma estratégia abrangente de proteção da soberania financeira. Em um cenário de crescente fragmentação geopolítica, a clareza das regras e a solidez das estruturas de governança serão determinantes para a estabilidade e a previsibilidade das relações bancárias internacionais.
O desfecho desse episódio pode estabelecer precedentes relevantes sobre como nações emergentes defendem sua autonomia diante de normas extraterritoriais, influenciando decisões futuras de instituições multilaterais e incentivando reformas no arcabouço jurídico internacional.